quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O descuido do poeta

Outro dia eu comecei a passear pelo meu país.

Ter um país pequeno sempre foi meu sonho durante a
infância. Não como um sonho desses que a gente faz força pra
realizar. Este está mais pra uma imagem que eu sempre cultivei.
Essa imagem me tomava horas quando eu era criança. Ficava
imaginando os limites do meu país pequeno, as ruas de
paralelepípedo e o formato das casas.

A única figura sempre recorrente nessas imagens era a de um
poeta. Como figura comum. Como um bem comum a todos do lugar.
Quase que como um funcionário do Estado. Nos meus pensamentos ele
sempre estava andando pelas ruas. Não a dizer poesias. Ele só andava
disposto. Disposto a falar com as pessoas e sobretudo disposto a
olhar para as coisas. E não é isso que nos faz poetas?

Andando por essas ruas, comecei a segui-lo. Ele andava em
silêncio e distraídamente, já que estar distraído é uma virtude
própria de um poeta, ele deixou cair um papel. Eu não disse nada e
nem o avisei sobre o descuido. Caminhei até lá, me abaixei e peguei
o tal papel. Quando comecei a ler o que estava escrito, percebi que
se tratava de uma carta. Não tinha endereço nem nada. Como
evidência de que era uma carta destinada a alguém, notava-se apenas
um título: "Pro moço do tempo". Continuei lendo. Eram escritos bem
sinceros e já era de se imaginar por se tratar de uma carta que ao
que tudo indicava, parecia ter sido escrita pelo poeta.

Todo o conteúdo da carta era um convite à um relacionamento
saudável. Falava de uma disposição para caminhar. Mas não de
qualquer forma. Era uma proposta absolutamente linda. Falava da
caminhada como algo que deve ser compartilhado com alguém somente
sob a condição de se estar lado a lado. A caminhada exige muita
cumplicidade. Há de se ter em comum os objetivos e os passos. Mas
talvez, a maior evidência que posso citar dessa cumplicidade esteja
em compartilhar os encontros e desencontros. Em ter que acompanhar
a dinâmica progressiva que, para prosseguir, tem a obrigatoriedade
de deixar algo pra trás. Compartilhar esse abandono me pareceu
muito bonito. Lembrei da minha infância e da minha adolescência.
Tive que abandonar essas posições pra poder crescer.

Percebi que o poeta do meu país pequeno já tinha mandado a
carta assim que a escrevera. Só colocar aquilo num papel já
significava a aliança. Era como que um tratado de paz. Me dei conta
da importância do poeta no meu país pequeno, coloquei a carta no
bolso e continuei andando só.

A carta dizia:

"Pro moço do tempo
Se quiser andar até onde for o olhar
deixo estar assim
em paz
vou te acompanhar
venço a pressa
entendo o passo
sou mais eu se fico com você
aprendo a caminhar com passos firmes
é só te dar a mão
e sair."


O poeta, sabendo da temporalidade de cada um, decidiu
caminhar bem com o seu tempo.


2 comentários:

  1. A figura do poeta sempre me encanta...
    Que texto saboroso!

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  2. eu tava lendo, e no meio voltei ao titulo, pra saber se vc tinha escrito depois da nossa ultima conversa... pq caiu tao bem!
    vc é um grande cara!
    jp

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